Monday, December 13, 2010

O carregamento fantasma


(uma história verídica, desenvolvida)

Três semanas foi quanto demorou. Dirão que faltou-me rigor quando da primeira avaliação. Que me precipitei. Insisto, porém, que o relato é justo e procedente. Foi uma fatídica noite de tempestade, com os raios cruzando o céu em fúria. Não poderia dizer que eram excessivamente ruidosos, ou que a noite era escura como nunca antes. São Paulo é barulhenta demais para que se escute; e iluminada demais para que não se enxergue. Mas eis que tudo mudou, e as características da cidade foram consumidas num átimo.

Shkazaaaaaam!!!!!!!!!!!!

Encontrava-me descendo a escada quando aconteceu. Parei de súbito, por reflexo e precaução. Nada mais se enxergava. Ouvia-se, porém (embora teria preferido que permanecesse o silêncio). No instante em que o bairro apagou, atingido pelo raio, da janela do apartamento partiu o ruído medonho de eletricidade se debatendo. Durou pouco. O bastante para garantir que se passaria a noite às escuras.
Com atraso, desliguei os eletrônicos da tomada.  O blecaute forçado terminou com as opções de estudo ou entretenimento, e havia muito pouco o que fazer àquelas horas da noite. Sendo assim, era natural que dormisse com alguma facilidade. O ritmo é outro sem energia (o que de modo algum é uma constatação negativa. Passado o lamento inercial, percebe-se como é saudável o retorno à idade da pedra).
No dia seguinte, o saldo da orgia elétrica: carregador do notebook queimado. Liguei o computador esperançoso, e o pensamento positivo pagou dividendos: sem avarias. Restavam 2 horas na bateria, e devo dizer que as usei com rigor sem paralelo. Email da Alinne Moraes? Ela tem meu celular. Pedido pessoal do governador? Vai ter que esperar.
Durante as semanas que se seguiram, o ritmo frenético do trabalho fez com que o tempo passasse e eu não tivesse oportunidade de resolver o problema. Garantia cobre raio? “Não, só se você acionar a concessionária”. Imaginei o trabalho de se acionar uma concessionária por tão pouco. Cotei o preço do carregador: 300 malandros. Como é caro! Liguei na Apple: não achei em nenhuma loja. A resposta deles, numa interpretação livre: “foda-se”.
Foi quando, com as esperanças se esvaindo feito palmeirense em fim de campeonato, um momento de desespero fez com que eu empreendesse a menos lógica das intervenções. Recordo-me do sentimento. Os pensamentos que me tomaram de assalto. O ingênuo otimismo com que resolvi fazer o que fiz. Segurei a peça queimada e a chacoalhei no ar. Duas ou três batidas de leve, seguidas de um olhar desafiador. Diria algumas palavras mágicas se as soubesse. Pronto. Liguei o carregador na tomada e aproximei o plug do notebook. A luz verde do carregador acesa foi para mim um momento de genuíno espanto. Não experimentaria surpresa maior desde a queda das torres gêmeas. O notebook em pleno processo de carregamento. E tem sido assim desde então. Testemunha diária do milagre elétrico.

2 comments:

  1. Na teoria de circuitos elétricos o referido fenômeno é cognominado de "Pobrema de Osmar".

    Trata-se de uma alusão ao famoso eletrotécnico "Deschamps" que, debruçado sobre um corrimão encardido de preguiça, respondeu ao jovem Thomas "É 10 Irmãos", sobre um questionamento a respeito do porquê de um circuito elétrico não "estar funcionando:
    "É 'OS MAR' contato, Thomas. Passe uma paia de aço que o liga, minino".

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  2. Comprou um Mac, se deu mal, se ainda estivesse com seu indestrutível CCE isto não teria acontecido.

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