“Como um povo tão sem graça podia ser tão complexo?”
O primeiro post sobre a viagem ao Japão terminou com uma
pergunta e uma promessa de resposta - a qual ficarei devendo. Mas a culpa
não é minha: é do tal do relativismo. São culturas tão distintas que é
impossível fazer juízo de valor ou de comparação. O que dá para fazer são
observações. Um olhar brasileiro, se é que isso existe.
Confesso que fui até o Japão com essa ambição, a de
avaliá-los. E, confesso, fui a campo com a hipótese pronta: talvez
o estranhamento que o Japão nos causa fosse meramente linguístico – e isso era
algo que eu estava disposto a provar.
Explico. Não dá pra entender nada do que eles falam ou
escrevem, o que por si só causa um impacto considerável. Vou além: a pronúncia
soa estranho. A feminina é cadenciada e infantilizada, enquanto a masculina remete a broncas ou discussões. Imaginei que se abstraísse essas barreiras
superficiais e fingisse entendê-los, a essência que restaria seria algo, senão
próximo, ao menos familiar. Afinal, são seres humanos, não poderiam ser tão
diferentes.
A hipótese da redução do caso à questão linguística, porém, caiu
por terra logo nos primeiros dias, deixando-me órfão de explicações. Observando
as conversas da nossa Guia com os locais, ficou claro que a comunicação entre
eles obedecia uma lógica distinta. Informações simples demoravam para serem
obtidas em diálogos que arrastavam-se inexplicavelmente. Seriam prolixos ou
apenas raciocinavam em outros termos? Difícil saber, mas certamente havia uma
dificuldade para fazer-se entender. Americanos não gastariam mais do que duas ou
três frases curtas, quando muito.
Descartada a simplificação, era preciso começar de novo, sob
outra abordagem - mais complexa e desafiadora. O jeito era colher informações aleatoriamente, e torcer para
que elas se aglutinassem em torno de algum padrão inteligível de comportamento.
Escolhi deter-me, por um momento, sobre o aspecto não-verbal. O silêncio
entre eles dizia muito sobre discrição e o respeito que eles parecem valorizar.
É raro surpreender japoneses conversando em trânsito. Elevadores, ônibus, metrô.
Todos quietos. Próximo a um templo budista, assisti a parte de uma aula de
arco-e-flecha. Paciência e concentração ritualísticas. Entre uma flecha e
outra, longos minutos de instruções e contemplação. Não pude deixar de imaginar que,
fosse a aula no Brasil, os alunos teriam disparado dezenas de flechas antes mesmo da
chegada do professor.
Essas evidências, entre tantas outras, me eram úteis, mas
não ajudavam a responder sobre as aparentes contradições da sociedade japonesa.
O que eu via era linear, e corroborava apenas o aspecto da disciplina e da
passividade orientais. A face sem graça. Onde estava o lado criativo do
japonês? O lado lúdico Godzilla-Pokemón? O lado que consome programas e
propagandas bizarras na televisão.
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