Tuesday, September 21, 2010

In the book - III




Mais um trecho publicado aqui. O último... E o meu predileto, aliás. Trata-se da carta que um dos personagens envia à mãe, depois de 20 anos de ausência - e que finaliza o capítulo 2.



"Cara mãe,

Desculpe-nos, a mim e a Antonieta, do longo tempo que estivemos sem lhe dar notícias. A senhora, porém, haverá de entender que o estilo de vida o qual forçosamente abraçamos nos impede que a visitemos, bem como nos constrange de manter contato freqüente enquanto não pudermos dar termo resolutivo ao mal que nos aflige.
Desde já, peço-lhe que não se assuste com o recebimento desta carta. Esteja certa de que se a contatamos depois de prolongado recesso, não o faríamos senão para comunicar-lhe boas novas – e pedir que nos auxilie a dar cabo nesta maldição a qual com freqüência nos referimos.
Estivemos, como bem sabe, a peregrinar por todo canto do mundo em busca de nosso propósito. Inicialmente era a cura que procurávamos, mas devo confessar que a escassez de informações (e o teor negativo do pouco que nos chegou) fez com que desviássemos lentamente o foco de nossas andanças. A vida em trânsito passou a acobertar os crimes hediondos que a sanha por sangue nos impôs. O rastro tenebroso de nossa passagem encheu de pânico as comunidades das quais no servimos, embora pareça claro que de modo algum tenham atinado para a verdadeira natureza de nossa condição.
A sucessão de noites em claro e dias em trevas (não faço gosto em alongar-me na descrição do que se supõe perpétuo) solidificaram em nós uma firme predisposição para a conduta vil, egoísta e inconseqüente, de modo que já nos conformávamos da nossa sorte quando casualmente encontramos nosso malfeitor.
O vampiro não nos reconheceu de imediato, apenas sabia que estava entre iguais. Foi preciso que nos apresentássemos para que enxergasse em nós o produto de uma noite fatídica em que se aproveitara da embriaguez alheia para discorrer acerca das maravilhas da eternidade. Não houve - respondo por mim, mas creio que Antonieta compartilhe do mesmo sentimento – desejo de vingança ou acerto de contas. Queríamos respostas, e não poderia haver sujeito mais capaz de fornecê-las que o nosso criador.
Entre um e outro gole do néctar que alimenta o sobre-humano vigor vampiresco, cortesia de nosso cúmplice (a vergonha faz com que prefira poupá-la das circunstâncias desta pequena reunião), surpreendeu-nos duas vezes. Primeiro dizendo haver fundamento em nossa vontade, pormenorizando o método segundo o qual deveríamos proceder. E por último, talvez resida aqui o espantamento maior uma vez que a conduta anterior é relativamente simples, revelou a mim e à minha esposa o local onde poderíamos confrontar a origem de nossa condenação.
Espero, minha mãe, poder contar com o seu auxílio. Voltaremos a Serrópolis tão logo possível. Antecipo que não retornaremos sozinhos. A tarefa que nos foi imposta carece do auxílio de nosso instrutor. Naturalmente não pretende ajudar gratuitamente, e neste ponto se faz necessária a colaboração da senhora. É provável que ainda agora esteja a caminho, como nosso enviado, preparando a nossa chegada. Procurará pela senhora, com a intenção de adquirir a residência da família. Peço-lhe que ceda, a despeito do inconveniente da mudança.Explicarei devidamente os motivos na ocasião adequada.
A propósito, nosso criador, o vampiro que irá procurá-la, atende pelo nome de Ludovico.


Ávido pela mortalidade,
Eliseo Pereira Inácio"

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