Friday, September 03, 2010

in the book - II



(Trecho do livro em produção)

Preocupada como estava, demorou para que enfim dormisse. A má sorte daquele dia fez com que o sono tão custoso fosse interrompido no meio da noite, quando as velas no altar da sala já há muito haviam sido consumidas. A octogenária era dona de um sono bastante leve, e o ruído seco do que julgou serem batidas na porta da frente do sobrado foram suficientes para despertá-la. Logo constatou que a energia não tinha retornado, o que fez com que se sentasse ao lado do criado-mudo em busca do pires e das velas que ali guardava por precaução. Vestiu-se rápido, apenas o robe branco por cima da camisola de seda, e desceu as escadas com cuidado, degrau por degrau. Uma mão à frente, segurando o pires com a vela em cima, a outra se escorando no corrimão. O final da escadaria dava direto na porta da frente, que abriu sem medo nem cerimônia. Esticou o pescoço para fora. Tinha esfriado, apertou o robe contra o corpo. Olhou para os dois lados mas nem sinal de quem batera. Retomou o rumo do quarto, desconfiando dos sentidos que, a exemplo da memória, vira e mexe lhe pregavam peças. O esforço fez com que chegasse ofegante, mas a falta de ar foi saciada pela lufada de vento que soprou da janela escancarada. Inezita não se recordava de tê-la deixado aberta, e nesse ponto não temia que fosse traída pela memória, posto que não havia chances de que tivesse conseguido dormir com aquele vento cortante a perturbá-la. Enquanto se dirigia à janela, um pressentimento ruim a tomou por inteiro, de tal modo que de imediato manifestava-se fisicamente. O coração batia acelerado, a respiração se fazia pesada. Uma vertigem súbita fez com que se detivesse por um instante. Escutou as batidas de novo, iguais as que a tinham despertado, agora na porta do seu aposento. A chama da vela não podia alcançar aquele espectro indistinto do qual só se podiam distinguir os contornos, entretanto não poderia alegar que não fizesse idéia de quem era. Pôde ver quando estendeu a mão em sua direção. O tiro, certeiro, no coração, não viu.

No comments:

Post a Comment