Tuesday, October 25, 2005

Dos medos infantis



Toda criança tem medo de escuro. Qual fantasia perambula pelas suas mentes no apagar das luzes é difícil dizer. As histórias de mula-sem-cabeça, da cuca, do bicho papão e outras celebridades do mundo do folclore caíram em desuso há algum tempo e dificilmente ocupariam um lugar honroso no share of mind dos principais medos infantis. A derrocada do folclore nacional, creio, passa por uma ampla gama de fatores, sendo o principal deles a urbanização: o curupira é o protetor das florestas (desmoralizado, coitado), a mula-sem-cabeça dificilmente faria boas performances correndo no asfalto, e o lobisomem... o lobisomem é americano. Além do mais, os pais de hoje já não têm mais tempo ou paciência (tampouco algum talento narrativo, que sempre cai bem) para contar a história do homem-do-saco.
De todo modo, as crianças continuam com medo do escuro. Parece lógico, portanto, que o eixo-do-mal tenha sido deslocado para um outro time de personagens. Mais modernos e antenados com as novas tendências. Aliás, à frente delas, pois em tempos de globalização eles já viajam universo afora. Não é minha intenção desprestigiar espíritos e fantasmas – até porque não quero represálias do lado de lá. Mas sempre tive mais medo dos extraterrestres - e creio não estar sozinho.
Difícil precisar quando tudo começou. Mas os mais velhos se recordarão de uma noite fatídica em que o Fantástico, num ato de terrorismo, levou ao ar o vídeo da autópsia de um extraterrestre capturado morto após um acidente automobilístico com seu disco voador. Teria dormido ao volante? Não se sabe.
Uma criança da época não tinha muita noção do que era um vídeo forjado. E mesmo que tivesse, era o Fantástico – ao lado do Gugu, expressão máxima da verossimilhança - quem bancava a história. Para a 3ª série aquilo era uma prova cabal da existência dos Ets. E eles não pareciam dos mais amistosos. Os causos dos colegas assustavam, sem dúvida. Mas, pessoalmente, nunca lhes dei muito crédito, pois contavam histórias as mais absurdas. Agora, diante de fontes fidedignas... noites em claro eram garantidas.
No dia seguinte ao da reportagem, o clima na escola era de velório entre os que tinham assistido ao vídeo. Todos com olheiras da noite mal dormida. Alguns faltaram. O pânico que aquilo causava nas crianças assemelhava-se ao que uma fuga de capitais em massa causa nos operadores da Bolsa de Valores. Chegávamos estressados. No lugar das pastas 007, lancheiras. As mães aproveitavam a distração para rechea-las com legumes e outros vegetais. Mato. A partir daquele domingo, talvez mancomunado com a indústria hortifrutigranjeira, o Fantástico passou a exibir imagens de discos voadores semanalmente. O clima era de invasão, e já se espalhava por outro setores da mídia (Gugu incluso). Certo dia, na sala de espera do dentista, li numa revista depoimentos de pessoas abduzidas (o seqüestro intergaláctico, prática mais comum do que se imagina, como fiquei sabendo). Todas as noites, os Ets capturavam alguma criança para fazer experimentos científicos que só poderiam ser lembrados através da hipnose. Dispensei a anestesia, e entre uma obturação e outra, ponderava meu leque de opções: devia me preocupar em não ser pego ou em descobrir a verdade sobre o meu passado?
O pior era que tudo isso acontecia num momento dos mais inoportunos, quando, em casa, eu havia sido deslocado para o meu novo quarto, que ficava muito longe dos demais e bem ao lado do Escritório - sabidamente um ponto de encontro de extraterrestres.
Felizmente, o tempo passa e a tudo transforma, soprando longe os medos de criança. O Fantástico e o Domingo Legal hoje são programas sérios...
E um dia, quando encontrar o Fábio Puentes, eu tiro a dúvida da abdução.

18 comments:

  1. Este é o texto de terça, publicado na quinta, mas com data de terça. O de sexta provavelmente vai atrasar, saindo no sábado ou, estourando, domingo. Mas, de qualquer modo, com data de sexta.

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  2. O Fábio Puentes é hipnólogo, e não ufólogo

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  3. "Dos medos infantis", isso me provocou um sorriso :) , lembrei da nossa conversa... Mas ainda acho que se você tivesse escrito sobre minha tia, seria mais emocionante! Hahah, Bjos!

    ps.: Ficou muito bom.

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  4. Eu ME IDENTIFIQUEI ... não sei porque motivo não apareceu :(

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  5. Este texto foi o que eu mais gostei. Voce tem talento!

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  6. Eu tinha medo das reportagens do fantástico sobre et! heheheh

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  7. ao 'anonimo', ele fala que só pode se lembrar da abdução atraves de hipnose, e nao por meio ufoógicos.

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  8. Eu fiquei dias sem dormir depois dessa reportagem, achava que eles iam aparecer por trás das cortinas....medo...

    Acho que sei como deve ser abduzida, há pouco tempo fiz um exame que tinha que retirar um líquido da medula, e a gulha que eles enfiaram na minha nuca era maior que aquelas que usaram p/ abduzir a Dana Scully, em Arquivo X....a única coisa que me lembro é que doeu...e muito

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  9. Oi Pi
    Adorei os textos. Superam Seinfield. Quanto aos medos, se me lembro bem, alguem tem algumas historias sobre sons fantasmagoricos do escritório, um pouco mais recentes (não tão criança)... Vou passar toda semana para ler os textos.

    ps; qualquer citação futura a minha pessoa tenho direito a royalties
    Monica

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  10. Os textos são espetaculares, um melhor que o outro. Mas os atrasos nas publicações são inaceitáveis...
    Já é sábado e nada novo pra eu me deliciar.
    Estou aguardando.

    Abraços

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  11. Chico, sobre o seu texto - Muito Bom na forma, deficiente na execução... Esperava mais de vc... cadê aquelas histórias de quando vc foi abduzido por ETs?? Foi por isso q vc ficou naquele dia a aula inteira em pé?? Cadê a parte com Relatos sobre o Et de Votorantim (primo daquele mais famoso lá de Varginha) e mais... cadê o texto da sexta??? Atrasou?? O mundo do Jornalismo Não aceita falhas...

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  12. aula inteira em pé? tá maluco?
    e o texto de sexta sai no domingo à noite, claro...

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  13. Qto atraso... esse povo de Sorocaba (ou seria Votorantim?) não tem compromisso com nada mesmo!

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  14. Estou no aguardo do texto de terça, que não saiu. A defasagem já é de dois textos.

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  15. CADÊ OS NOVOS TEXTOS BACHELOR!!!

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