(Ler depois da parte 1)
Daquele momento em diante encontrei-me envolvido nos
acontecimentos, que se desenrolavam com rapidez. Receio que se fosse possível
exprimir em palavras o terror que tomara conta daquela sala quando da segunda
aparição do vulto não encontraria no dicionário palavras adequadas, ou mesmo
suficientes. Ainda que as houvesse, teriam que ser multiplicadas pelo número de
pessoas na sala para transmitir com exatidão o clima exato naquele cômodo -
pois refiro-me ao meu próprio horror e era dentre nós, como verão, a alma mais
lúcida e ponderada. Aproximava-se da porta frontalmente a sombra, passo ante passo,
sem pressa. Fitei a figura onde acreditava ficarem seus olhos, pois seu manto
de trevas só nos oferecia seus contornos. Constituía um aspecto humanóide, sem
dúvida, não fosse a cabeça desproporcionalmente grande em relação ao resto do
corpo. Bastou que a notasse para que num movimento rápido com os braços
retirasse a cabeça de cima dos ombros e a levasse, com um só gesto, junto ao
quadril. A partir daqui já não posso saber ou especular das reações alheias,
pois as minhas próprias recordo com dificuldade. Encará-lo nos olhos como
intentava fazê-lo tornara-se obviamente mais difícil, pois para minha surpresa
onde antes havia a cabeça grande surgira no lugar uma cabeça menor – esta, sim,
fantasticamente humana. Virou-se de lado, deslocando-se lateralmente, deixando
revelar uma protuberância robusta e quadrada nas costas que lhe conferia um
aspecto ainda mais bizarro e monstruoso. Um temor mórbido percorreu-me a
espinha quando desfez-se também daquele adendo, colocando-o cuidadosamente no
chão. Com que intuito assumiria uma aparência tão próxima da nossa? Da minha...
Pareceu vasculhar a corcunda caída, levantando-se dali com
dois discos finos empilhados numa das mãos espalmada. Não consegui atinar para
a lógica naquelas ações aparentemente tão desconexas e misteriosas, mas
executara-nas com aquela decisão autômata bastante diferente da resoluta, que
requer empáfia e coragem mas é vacilante por natureza.
Tocou a campainha. Fui atendê-lo. Caminhei em direção à
porta e encarei aquela máscara negra uma última vez antes de contemplar seu
rosto por mim mesmo. Abri a porta, olhei-o nos olhos.
- Uma mussarela e uma calabresa?
- (...) Tem troco pra 50?
- Tenho sim.
- Viu? (...) Não pedimos
refrigerante?
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