
Toda criança tem medo de escuro. Qual fantasia perambula pelas suas mentes no apagar das luzes é difícil dizer. As histórias de mula-sem-cabeça, da cuca, do bicho papão e outras celebridades do mundo do folclore caíram em desuso há algum tempo e dificilmente ocupariam um lugar honroso no share of mind dos principais medos infantis. A derrocada do folclore nacional, creio, passa por uma ampla gama de fatores, sendo o principal deles a urbanização: o curupira é o protetor das florestas (desmoralizado, coitado), a mula-sem-cabeça dificilmente faria boas performances correndo no asfalto, e o lobisomem... o lobisomem é americano. Além do mais, os pais de hoje já não têm mais tempo ou paciência (tampouco algum talento narrativo, que sempre cai bem) para contar a história do homem-do-saco.
De todo modo, as crianças continuam com medo do escuro. Parece lógico, portanto, que o eixo-do-mal tenha sido deslocado para um outro time de personagens. Mais modernos e antenados com as novas tendências. Aliás, à frente delas, pois em tempos de globalização eles já viajam universo afora. Não é minha intenção desprestigiar espíritos e fantasmas – até porque não quero represálias do lado de lá. Mas sempre tive mais medo dos extraterrestres - e creio não estar sozinho.
Difícil precisar quando tudo começou. Mas os mais velhos se recordarão de uma noite fatídica em que o Fantástico, num ato de terrorismo, levou ao ar o vídeo da autópsia de um extraterrestre capturado morto após um acidente automobilístico com seu disco voador. Teria dormido ao volante? Não se sabe.
Uma criança da época não tinha muita noção do que era um vídeo forjado. E mesmo que tivesse, era o Fantástico – ao lado do Gugu, expressão máxima da verossimilhança - quem bancava a história. Para a 3ª série aquilo era uma prova cabal da existência dos Ets. E eles não pareciam dos mais amistosos. Os causos dos colegas assustavam, sem dúvida. Mas, pessoalmente, nunca lhes dei muito crédito, pois contavam histórias as mais absurdas. Agora, diante de fontes fidedignas... noites em claro eram garantidas.
No dia seguinte ao da reportagem, o clima na escola era de velório entre os que tinham assistido ao vídeo. Todos com olheiras da noite mal dormida. Alguns faltaram. O pânico que aquilo causava nas crianças assemelhava-se ao que uma fuga de capitais em massa causa nos operadores da Bolsa de Valores. Chegávamos estressados. No lugar das pastas 007, lancheiras. As mães aproveitavam a distração para rechea-las com legumes e outros vegetais. Mato. A partir daquele domingo, talvez mancomunado com a indústria hortifrutigranjeira, o Fantástico passou a exibir imagens de discos voadores semanalmente. O clima era de invasão, e já se espalhava por outro setores da mídia (Gugu incluso). Certo dia, na sala de espera do dentista, li numa revista depoimentos de pessoas abduzidas (o seqüestro intergaláctico, prática mais comum do que se imagina, como fiquei sabendo). Todas as noites, os Ets capturavam alguma criança para fazer experimentos científicos que só poderiam ser lembrados através da hipnose. Dispensei a anestesia, e entre uma obturação e outra, ponderava meu leque de opções: devia me preocupar em não ser pego ou em descobrir a verdade sobre o meu passado?
O pior era que tudo isso acontecia num momento dos mais inoportunos, quando, em casa, eu havia sido deslocado para o meu novo quarto, que ficava muito longe dos demais e bem ao lado do Escritório - sabidamente um ponto de encontro de extraterrestres.
Felizmente, o tempo passa e a tudo transforma, soprando longe os medos de criança. O Fantástico e o Domingo Legal hoje são programas sérios...
E um dia, quando encontrar o Fábio Puentes, eu tiro a dúvida da abdução.