Wednesday, June 16, 2010

Crônicas da Copa - Do enviado à Coreia


(Tive acesso ao conteúdo da reunião de cúpula que decidiu pela transmissão do jogo Brasil e Coreia do Norte no território do nosso adversário. Segundo um dos partícipes, as discussões foram tensas e cheias de reviravoltas, mas prevaleceu o bom senso. Ou o mal-entendido.)

Pyongyang, ante-sala do ditador.

Gabinete alvoroçado. Os 48 assessores particulares do líder supremo divergem. A discussão é acalorada. A corrente de Kil-Pa-Ryu sustenta que a derrota é uma vergonha, e que não deviam levar o assunto ao chefe. Ele que lesse mais tarde no diário oficial e mandasse decapitar os 34 editores da Redação, se achasse conveniente. Mi-Foo-Dil pensava o contrário. Que o comandante se refestelaria em júbilo com o feito dos guerreiros da nação, e seu bom humor iluminaria os caminhos do povo norte-coreano como os raios de sol aquecem o governo revolucionário. Talvez lançasse mísseis comemorativos. Afinal, enfiavam 0 a 2 nos pentacampeões do mundo.
O ditador ordenara que se gravasse o jogo. Em caso de “resultado favorável”, o jogo seria retransmitido à nação. Mas que diabos era um resultado favorável? Kil-Pa-Ryu e Mi-Foo-Dil polarizavam as discussões ao redor do televisor preto-e-branco que transmitia o jogo ao vivo, capturando o sinal de uma emissora dos traidores capitalistas sul-coreanos. Quando de repente é gol. GOOOOOOOOOOLLLLL!!!!!
Escutam o grito da sala do Grande Líder. Mi-Foo-Dil estava certo. Cada um dos assessores correu aos seus secretários, que expediram um ofício para a TV do Estado instruindo que se transmitisse o jogo imediatamente. Muito em breve as 96 vias do documento chegariam à emissora e os norte-coreanos assistiriam a mais este triunfo do regime. Precipitaram-se, porém.
Foi o árbitro apitar o final da partida para um novo barulho partir da sala de comando, e desta feita não era amistoso. Um palavrão ininteligível seguido do telefone atirado contra a parede. A derrota honrosa, como viram, não fora suficiente. Silêncio sepulcral no gabinete. Kil-Pa-Ryu esboça um sorriso de meia-boca. Esteve certo desde o início. Morto, é possível. Mas certo.
O líder supremo desliza um bilhete por baixo da porta.
“TODOS OS ASSESSORES. QUEIRAM COMPARECER À MINHA SALA. AGORA.”
Entraram todos, e quando um burro fala os outros abaixam a orelha. De costas, olhando para a parede onde havia uma fotografia do saudoso Presidente Eterno, não se dignava a encarar seus súditos.
- Avisem a estatal que não vamos poder estar retransmitindo o jogo da seleção na Copa.
Já era tarde, não havia tempo para desfazer o erro. Estavam em maus lençóis. E nunca é bom estar em maus lençóis na Coréia do Norte. Havia no grupo, entretanto, um exímio imitador. Kim-Ka-Gada chamou para si a responsabilidade, adotando um sofisticado estratagema que impedia o Grande Líder de identificá-lo. Imiscuindo-se entre os demais assessores, aproveita-se que o chefe está de costas e o comunica da situação, numa perfeita imitação do popular apresentador local Fals-Ton-Sil.
- Ô loco meu, brincadeira. Precisamente às quatro e vinte e dois. Olha o que fez a besta, já mandou botar o jogo no ar, bicho.
O tirano vira-se em fúria, medindo o grupo. A tropa de assessores está compactada naquela sala diminuta, e o engraçadinho encoberto no meio deles. Velho e doente, o ditador escuta e enxerga mal.
- Quem ousa?! Estão todos...
- Olha a fera aí meu. Esse monstro sagrado do cenário mundial.
- Vou chamar imediatamente o...
- Esse exemplo de honestidade, humildade e competência, agora no Arquivo Confidencial.
- Aaaaaaaaaarggghhh!! Primeiro de tudo, tirem o jogo do...
- Se vira nos 30, meu. Quem sabe faz ao vivo.
- (...)
- (...)

[...]

- Quer parar de me interrom...
- Ô loco meu.
- Chega, basta!! Deixem tudo como está e saiam daqui!
- Essa reunião foi um oferecimento de ChinaInvest. Crédito fácil para ditadura socialista é na ChinaInvest.

(O acesso à cúpula norte-coreana é bastante restrito, de modo que não pude confirmar o relato. Mas a fonte é quente.)

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